alquimia

 

Maria Silvia Pessoa – Psicóloga- PHD

Os estudos de Jung sobre alquimia foram preciosos para a sua teoria que versa sobre a alma. Foi na alquimia que ele buscou significados para alguns de seus sonhos e, entre as suas leituras, deparou-se com o livro Segredo da Flor de Ouro, texto raro e pouco conhecido em sua época. Seus estudos fornecem, até hoje, subsídios para inúmeros trabalhos de pesquisas sobre a dinâmica psíquica e para a prática da psicoterapia como Mysterium coniunctionis, de 1955 e Aion, de 1951.

Sempre traçando um paralelo metafórico entre a alquimia e o processo psicoterápico, em Psicologia e Alquimia, Jung (1999b) escreve sobre a integração dos opostos, cujo fenômeno se realiza por meio de um processo simbólico complexo, que na alquimia é chamado conjunção de dois princípios. Para ele as operações alquímicas se caracterizavam por uma opus psicológica, a projeção de um processo de drama psíquico em laboratório, ou seja, nas substâncias químicas.

Os alquimistas eram como artífices do tempo que, em seus laboratórios, recriavam, aceleravam e alteravam aquilo que na natureza demoraria muito mais tempo para surgir e se transformar. Todos os estágios psíquicos ligados ao processo de individuação são vistos metaforicamente, sob a ótica dos estágios alquímicos, a começar pelo próprio processo de análise, visto como um todo. Como escreve Jung: “O encontro de duas personalidades é semelhante à mistura de duas diferentes substâncias químicas: uma ligação pode a ambas transformar.” (JUNG, 1981, p. 68).

Assim, na linguagem dos alquimistas, a matéria-prima trabalhada sofre atritos, até que uma transformação apareça. O desaparecimento do estado de nigredo anunciará a aurora e surgirá um novo dia: o estado de albedo. Mas, nesse estado de brancura, não existe a vida real, é um estado abstrato, ideal. Para infundir-lhe vida é preciso infundir-lhe “o sangue”, a rubedo, o vermelho vivo.

É da passagem de uma matéria à outra que a opus será completada. A experiência de todos os estágios é necessária para poder alcançar uma transformação do estado ideal de albedo para uma forma real de existência plenamente humana. Ele escreve: “ Na alquimia, a fenomenologia psíquica – a mesma que o médico pode observar no decorrer do confronto com o inconsciente – não é apresentada apenas em suas linhas gerais, mas, muitas vezes também, é descrita com assombrosos pormenores (JUNG, 1999, p. 65)”.

Como vimos, o simbolismo alquímico na análise está ligado às passagens de um estado ao outro. Na terapia o indivíduo, o casal ou a família procura terapia para realizar as mudanças necessárias que não consegue realizar sozinho. Ele precisa de um “artífice do tempo”, o terapeuta, como alguém que o ajude frente aos desafios que precisam ser enfrentados.

Os textos alquímicos descrevem as operações pelas quais eles conseguiam obter o “ouro” a partir da “matéria-prima”. Quanto ao desenvolvimento psíquico, os autores junguianos Von Franz (1998) e Edinger (2006) estudaram a analogia entre o processo de análise e os estágios da alquimia, que são: o calcinatio, a solutio e o coagulatio, os quais nos ajudam a acompanhar cada estado do processo terapêutico.

Por exemplo, no trabalho com o casal, há momento no qual os parceiros e o próprio terapeuta sentem-se “dissolvidos”, sem conseguir administrar certas situações que antes faziam com certa facilidade. Uma sensação de estranhamento pode ser sentida nesse momento, pois as mudanças são apreendidas como necessárias, mas ainda não estão integradas em sua totalidade, desse modo, entramos e precisamos permanecer por certo tempo no desconhecido que envolve momentos difíceis, medo e sentimentos estranhos. Sem saber ainda aonde chegaremos com o trabalho, só nos resta suportar o desconforto e a ambiguidade e seguir em frente.

Para que o casal comece a visualizar a possibilidade de um novo padrão de relacionamento, ele precisa avançar para outro estágio, o calcinatio, o processo de fundição. Isso só ocorre se o casal ceder, amolecer, dissolver rígidos padrões de crenças e comportamentos, áridas e velhas formas de ser casal. Desse modo, passaremos pela transformação e nos prepararemos para tomar decisões importantes.

Assim, viver cada momento, cada tempo do processo é a condição para que o trabalho possa ser realizado. Geralmente, quando o casal busca a psicoterapia, encontra-se em estado de confusão e caos e os sentimentos que antes sustentavam a convivência, como a admiração e a troca, estão perdidos, desestruturados. Para os alquimistas, a confusão inicial não é um problema, mas uma solução; a confusão é necessária, pois no caos há a ordem e somente haverá transformação de algo se houver o desconforto e a necessidade de desconstrução daquilo que estava cristalizado.

A alquimia trabalha com a ideia de libertar, por meio de operações, o espírito cativo na matéria-prima. Em nosso trabalho, isso corresponderia a colocar novamente em movimento os desejos internos, os sonhos, as fantasias e as imagens. Enfim, tudo o que nos pertence e que está em estado potencial. Isso é vida e é também arte, pois viver é um eterno lidar com a união, separação e reunião. Tudo dentro do tempo de cada um. Dessa forma, tanto no consultório como no laboratório do alquimista, deve haver muito trabalho, paciência, humildade e eros que é vida , que é amor.

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Referências

EDINGER, E. F. Anatomia da psique. O simbolismo alquímico na Psicoterapia, São Paulo: Cultrix, 2006.

JUNG, C. G. A Prática da Psicoterapia. Obra Completa16. Petrópolis: Vozes, 1981.

______. Mysterium coniunctionis. Obra Completa. Petrópolis: Vozes, 1999a.

______. Psicologia e alquimia. Obra Completa 12. Petrópolis: Vozes, 1999b

______. AION: Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis: Aion, 2000.

VON FRANZ, M. L. Alquimia. Introdução ao Simbolismo e à Psicologia. São Paulo: Editora Cultrix, 1998.

Leituras Sugeridas

FREITAS, L. V. O Arquétipo do Mestre- Aprendiz. Considerações sobre a Vivência. Junguiana, Revista da Sociedade de Psicologia Analítica, n.8, p.72, 1990.

SCHWARTZ-SALANT, N. The mystery of human relationship. Routledge: New York, 1999.

WENTH, R. C. Alquimia e psicoterapia. 2001. Disponível em: <www.ijpr.org.br/doc/artigos/Alquimia_e_Psicoterapia.doc>. Acesso em: 15 mar 2012.